Crítica - Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024)
Novo filme da franquia evidencia artificialidade em proveito do tempo
O tempo é um elemento valioso quando se pensa e se produz uma história. Seja no campo da pintura, nas esculturas, no cinema e demais artes, a maneira que o tempo pode ser localizado, como é articulado na linguagem que está sendo trabalhada e, principalmente, como o sentimos, faz nossas sensibilidades serem mais suscetíveis para tais peças. Embora não seja necessário ser um fator tão saliente aos nossos olhos e ouvidos, sua ênfase e possíveis “resultados” não podem ser subestimados.
Em Furiosa: Uma Saga Mad Max, prelúdio de Mad Max: Estrada da Fúria e o quinto longa-metragem desse universo pós-apocalíptico movido por uma cinética de alta octanagem, poeira voando sobre a lente e uma violência suja, o tempo é dilatado em função da grandiosidade do drama: uma vingança que se instala da infância roubada até a formação adulta. Assim, a estrutura do longa se dá por uma espécie de bildungsroman da personagem Furiosa (Anya Taylor-Joy), depois de ser tirada de seu lar pela gangue do espalhafatoso Dementus (Chris Hemsworth).
Utilizando de capítulos que mostram uma tomada da vida da personagem a outro, George Miller destitui aquela atitude mais frenética na identidade de Estrada da Fúria e encaminha a ação a uma sucessão de eventos mais regrada. Isso é visível em como a câmera nos exibe as suas ações. Aqui, o tempo na imagem e sua movimentação estão inquietos, à procura do melhor interesse do ocorrido, o detalhe mais crucial para o encaminhamento do que virá, por meio de planos mais longos que saem de um rosto impávido a uma abertura esclarecida do ambiente. Esse cenário, entregue a loucura e dominado por feudos, cujo são os produtores das necessidades de coexistência desses personagens excêntricos, nesse longa se torna mais transparente do que nos filmes anteriores, mas ainda preserva as imperfeições dessa Wasteland emaranhada e poeirenta.
Vemos nessa abordagem quanto o filme tem gosto pelo artificial para dar forma a essa nova investida. Desde essa câmera mencionada, que passeia mais livre sobre o seu assunto, quanto a captação do que envolve os personagens. O que não é um artifício naturalmente ultrajante, como podem levar em consideração em uma primeira impressão. É sempre bom lembrar que Georges Méliès, há mais de um século tinha gana em filmar atores inseridos em cenários mais fantasiosos, que claramente colocavam em choque para o espectador o contraste entre o corpo humano com a imaginação.
Claro, um jeito, talvez, mais ingênuo de tratar com o que é filmado e é possível argumentar, e entendido, que a linguagem do cinema mudou bastante desde então. Mas essa mesma ingenuidade e franqueza parece que ecoam na forma que diretores como Miller incorporam a computação gráfica hoje em dia em prol de suas histórias, ao invés de tê-las apenas como uma melhor resolução sobre conflitos e gastos de produção. Usando da liberdade que o dispositivo permite, simultaneamente dando forma a narrativas mais espetaculares e também, tristemente, distanciando o envolvimento do público contemporâneo e suas sensibilidades que buscam ora ou outra racionalizar de modo equivocado aquilo que há de mais intrigante no desconhecido. No que há para além do limite que o dispositivo pode criar e continuar exercitando.
De tal modo, a produção não eclipsa a importância dessa aparência mais artificial que pode produzir, e sim, opta por agredir por sua discrepância do corpo com o ambiente, unindo e trabalhando junto a esses elementos ao tempo. Podendo tanto manejar uma estabilização do que está acontecendo, criando momentos que se estendem pela força da imagem e seus atores na encenação, como pode desestabilizar, com solavancos e agitações exigidas pelas cenas. Sejam essas execuções feitas pelo trabalho mútuo da própria movimentação dos enquadramentos ao som, que continua esse cinetismo em familiaridades, como o chacoalhar dos ornamentos dos figurinos, roncos das máquinas, quedas, batidas, explosões e outros entraves que são dispostos em tela.
Bem diferente de seu antecessor que ficou marcado no imaginário do espectador, o novo filme do universo de Mad Max troca a ação e a excitação, ambicionando por contar uma história mais compassada que torna essa mesma ação falsamente repentina e o drama dos personagens apresentados à mercê das elipses de um tempo mais rigoroso, mas ainda assim recompensante.
“Furiosa: Uma Saga Mad Max” já está disponível em VOD.
Direção: George Miller
Sinopse: A jovem Furiosa cai nas mãos de uma grande horda de motoqueiros liderada pelo senhor da guerra Dementus. Varrendo Wasteland, eles encontram a Cidadela, presidida pelo Immortan Joe. Enquanto os dois tiranos lutam pelo domínio, Furiosa logo se vê em uma batalha ininterrupta para voltar para casa.
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